Setenta e duas horas atrás, pelo menos, na madrugada de segunda-feira (16), a publicitária Talita Portela Sampaio Leal, de 27 anos, embarcou do Brasil com destino ao Aeroporto de Budapeste, na Hungria. Ela se despediu dos familiares, que moram em Teresina, no Piauí, e seguiu viagem para retornar para a casa onde vive há dois anos, na Europa.
Após escalas internas no Brasil e em países da Europa, a publicitária desembarcou em Budapeste na noite dessa terça-feira (17). Apesar de possuir autorização para estadia no país, além de moradia fixa e emprego, Talita acabou detida após descer do avião e sua entrada na cidade foi negada pelas autoridades húngaras. O país decidiu trancar as fronteiras para estrangeiros, como estratégia para frear a disseminação do novo coronavírus. Além da publicitária há, pelo menos, outras 35 pessoas detidas no Aeroporto de Budapeste aguardando uma decisão do governo.
"Estou exausta, estou aqui há 17 horas, numa sala de embarque improvisada com outros imigrantes. Eles (funcionários do aeroporto e do governo húngaro) chamam e pedem informação, mas não falam nada concreto, só para esperar. Às vezes eles colocam uns sanduíches pra gente. E água", relata.
A restrição do tráfego de pessoas entre países está entre uma das principais medidas adotadas por governos da América Latina, da América do Norte e da Europa. Estados Unidos e Canadá anunciaram, nesta quarta-feira (18), o fechamento temporário das fronteiras entre eles. A Suíça, na Europa, também anunciou que haverá um controle maior nas fronteiras com alemanha, França e Áustria.
Os atravessamentos terrestres também estão impedidos na Espanha. Argentina, Chile, Colômbia e Peru também adotam medidas para evitar a entrada e saída de pessoas.
Além dos viajantes, as medidas de restrição de tráfego afetam também a rotina dos brasileiros moradores de outros países. Além de Talita, há ainda outra brasileira detida no Aeroporto de Budapeste. A decisão, aliás, interrompe também rotina de europeus residentes na Hungria – entre os detidos com a publicitária está um belga, morador de Budapeste há oito anos, impedido de entrar.
"O decreto do primeiro-ministro da Hungria fala que a partir de ontem (terça-feira, 17) que é a data que eu já estava viajando, apenas cidadãos húngaros poderiam entrar. A maioria do pessoal que está aqui comigo são cidadãos não-húngaros, mas são residentes. Tem gente de todos os lugares, Eslováquia, Bélgica, Itália. Está todo mundo na mesma situação", explica Talita.
Relato
Após uma escala em Dublin, na Irlanda, a publicitária conseguiu chegar a Budapeste. Ao desembarcar, ela acabou conduzida até uma sala, onde há cerca de 35 pessoas que também aguardam liberação ou não para entrada no país.
Ao longo da noite, ela recebeu uma manta e a usou para forrar o chão e conseguir dormir. Nesta quarta-feira (18), ela aguarda uma resposta. À reportagem, a namorada de Talita, a economista mineira Luíza Fernandes Carvalho Silva, de 25 anos, declarou que está em contato com a embaixada brasileira em Budapeste, mas que não obtém ajuda concreta.
"A gente está em contato com a embaixada desde antes da saída dela do Brasil. Após a declaração do primeiro-ministro da Hungria (sobre fechamento de fronteiras) as coisas ficaram confusas. Eles (da embaixada) não tinham certeza se poderiam entrar no país pessoas que possuem o residence permit (autorização para morar e trabalhar). Eles disseram para a gente que talvez ela conseguisse entrar, que talvez não. Na segunda ligação que fiz para eles, disseram que ela não conseguiria entrar e que eles iam tentar entender nas próximas horas como as coisas iam acontecer", detalha.
Autoridades húngaras no aeroporto informaram a Talita que ela possui duas opções: ou custear uma viagem para retornar ao Brasil ou ser encaminhada ao último país europeu em que ela esteve antes de chegar à Hungria.
"Eles alegaram que apenas cidadãos húngaros estão entrando ou pessoas que têm família húngara aqui. Alegaram que muito possivelmente ela teria que retornar ao Brasil e disseram que ela teria que custear as passagens dela ou retornar para o último lugar que ela tinha passado na Europa que, no caso dela, a última conexão dela tinha sido em Dublin. A gente não teria condição de arcar com o retorno dela para o Brasil e ela não teria condições de se manter em Dublin, que ela não conhece ninguém", esclarece. A publicitária mora na Hungria há dois anos e há, pelo menos, cinco na Europa.
Coronavírus
Ao contrário do que possa parecer com a adoção da medida, a Hungria não está em situação tão alarmante quanto a de outros países europeus, em relação à pandemia do novo coronavírus (Covid-19).
"Até o momento, são 58 casos confirmados. Parece, pelo que o governo passa, que não está grave ainda, não se alastrou, não é uma situação de grande emergência. Algumas pessoas estão em quarentena e não conseguimos mais encontrar álcool em gel ou máscara nas lojas. Algumas pessoas têm estocado alimentos em suas casas, é aquela coisa, as pessoas estão com medo, as empresas pediram que a gente fizesse home office, mas nada alarmante pelo que foi passado pra gente", explica Luíza.
À representação do Itamaraty em Budapeste, Luíza justificou que Talita não apresenta qualquer sintoma de contaminação pelo coronavírus ou tenha atravessado áreas onde a situação é considerada emergencial.
"Eles dizem que isso tudo é para conter a disseminação do coronavírus, sendo que eles deixam os cidadãos húngaros entrarem, mas eles podem estar doentes também. Por exemplo, nos voos que estão chegando, no meu por exemplo, 95% das pessoas eram húngaras e todas entraram no país, retornando dos mesmos lugares que os outros. Eu passei duas semanas no Brasil e na minha cidade não tinha nenhum caso de coronavírus. Eles nos deixam numa sala, em contato com pessoas que podem estar infectadas", comenta Talita.
O governo do Brasil respondeu um e-mail com orientações gerais e detalhou apenas que ainda não há impedimento para o retorno de brasileiros que moram em países na Europa. Exausta após a viagem, a publicitária ainda aguarda um posicionamento do governo húngaro sobre sua estadia ou não no país. "A Talita é só uma entre milhares de brasileiros que provavelmente também estão passando por situações semelhantes", desabafa Luíza.
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